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ABR'2025
Dr. José Carlos Batalha - UDIPSS Lisboa - em Entrevista
Agradecemos ao Dr. José Carlos Batalha, vice-presidente do Centro Social e Paroquial de Azambuja, presidente da União Distrital da Instituições de Solidariedade Social (UDIPSS Lisboa) e presidente da Assembleia Geral da CNIS a disponibilidade para responder a algumas questões do Espaço Social da F3M, sobre o setor social, nomeadamente, conhecer a importância e o impacto das uniões distritais no setor, os desafios enfrentados e a visão para o futuro.
Espaço Social: Pode apresentar brevemente a União Distrital e o seu papel no setor social? Quantas instituições fazem parte e qual a sua representatividade no distrito?
José Carlos Batalha: Desde já eu é que agradeço esta possibilidade para falar um pouco daquilo que é este setor. De facto, o setor social é um verdadeiro milagre na sociedade portuguesa porque, se não existisse eram muito mais significativas e muito mais visíveis as desigualdades sociais. É um setor que consegue harmonizar a sociedade e esbater assimetrias e os problemas que efetivamente a sociedade portuguesa tem e teve ao longo da sua história, sobretudo da sua história mais recente. Fazendo um breve enquadramento histórico, a união das IPSS do distrito de Lisboa resulta de uma organização anterior que fazia parte da UIPSS. A UIPSS era a União das instituições particulares de solidariedade social. Esta, era uma organização de cariz nacional, composta por vários secretariados que, por volta do ano 2000 se autonomizam, dando origem às uniões distritais. A própria UIPSS passou de união para confederação, a atual CNIS. A União de Lisboa foi das primeiras a ser constituída e tem uma família de mais de 500 instituições espalhadas pelo distrito. É a maior união resultante desta autonomização, abrangendo todos os concelhos de Lisboa, onde está sedeada. Atualmente, a UDIPSS Lisboa conta com 2 elementos da área de secretariado, 3 assessores jurídicos, 1 assessora da organização e da gestão das IPSS, um assessor da área da contabilidade e da fiscalidade e 1 assessora da área da comunicação. A direção e os demais órgãos sociais da união (assembleia geral e do conselho fiscal), procuram assegurar a representatividade das diferentes respostas sociais e dos diferentes concelhos do distrito de Lisboa.
Este é um primeiro retrato que nós pretendemos fazer.
A representatividade é assegurada por uma prática que já vem de há muitos anos e que visa a realização de encontros geograficamente dispersos, para atender à diferentes realidades sociodemográficas do distrito, que é muito vasto e, portanto, vamos ao encontro das realidades de cada concelho. Temos a grande cidade de Lisboa, as suas periferias, nomeadamente, Amadora, Odivelas, Oeiras, Sintra, … que são zonas muito populacionais; depois temos zonas mais distantes da capital, mas igualmente com uma realidade muito específica, como é o caso concreto da linha de Cascais, sobretudo Cascais e Estoril. Aqui, também Sintra que combina uma realidade urbana com uma realidade mais rural. O mesmo se passará na zona de Torres Vedras. Depois, indo mais para o interior do distrito, temos Vila Franca de Xira e Alenquer, por exemplo. Como se pode observar, é um distrito com realidades sociodemográficas distintas, com problemas sociais diversos. É aliciante olhar para o distrito desta forma muito heterogénea, com uma visão multidisciplinar e muita rigorosa, como é obvio; são mais de 500 instituições distribuídas por esta mancha geográfica.
Espaço Social: Qual a relevância de parcerias estratégicas, como é a parceria com a F3M, para o setor da economia social? Que tipo de apoios e benefícios estas parcerias trazem às instituições associadas?
José Carlos Batalha: A missão da União é representar as instituições nela filiadas junto dos poderes públicos, junto do governo, junto das associações sindicais, defender os seus interesses e agir como facilitador, ou seja, ao acolher as instituições e ao representá-las, tendo em conta as exigências cada vez maiores impostas pelo Estado às instituições de solidariedade social, que assume, exercendo o seu controlo, às vezes de forma muito autoritária, não respeitando a autonomia das instituições. A própria CNIS tem feito eco deste abuso, das atitudes muitas vezes persecutórias da parte do Estado. Como em tudo na vida, existem preconceitos de ponto de vista ideológico. Estamos numa sociedade aberta e, obviamente, que entendemos isso. No entanto, tem de haver respeito e as instituições de solidariedade social existem por direito próprio. Desde logo, é a própria Constituição que nos defende, que nos apoia, que nos consagra direitos e, a partir daí, estamos queremos exercer aquilo que é um direito constitucional e um direito cívico. Dito isto, é importante referir que tudo aquilo que possa acrescentar ou que possa ser uma mais-valia para o trabalho diário das instituições, as Organizações que as representam e, neste caso concreto, a CNIS, e também, obviamente, a União de Lisboa - e falo claro pela União de Lisboa e também falo pela federação das instituições de solidariedade (FITI) – têm o dever de facilitar e de construírem pontes e caminhos para as soluções. Neste aspeto, tudo aquilo que seja facilitador deste trabalho é sempre bem-vindo e, é nesta linha que temos com a F3M um protocolo de colaboração. É um trabalho que ajuda ao desempenho dos dirigentes e de todas as estruturas das instituições. A F3M tem um conjunto de serviços que vai facilitar a vida quotidiana das instituições. É claro que sentimos isto, percebemos e apoiamos, como é óbvio, estas parcerias.
O apoio tecnológico que obviamente é inquestionável e incontornável, que vamos tendo relativamente a esta relação parceira com a F3M, não tenho a mais pequena dúvida que vai acrescentar valor ao trabalho e que vai, de alguma forma, ajudar, facilitar e melhorar as condições de desempenho das diversas instituições.
Há um princípio que consideramos “sagrado”, que é o princípio da autonomia das próprias instituições. Portanto, neste quadro, cada instituição por si própria é autónoma e independente, escolhendo com quem quer trabalhar. A União assume apenas um papel facilitador de mostrar as vantagens da parceria e garantir condições mais favoráveis para as suas associadas. As instituições são livres na sua escolha.
Espaço Social: Quais são os maiores desafios que as instituições de solidariedade social enfrentam atualmente? O setor tem conseguido adaptar-se às exigências tecnológicas e digitais?
José Carlos Batalha: Eu creio que sempre o setor social viveu momentos complicados e sempre foi capaz de dar resposta, a resposta que o Estado não é capaz de dar. É um pouco nesta linha em que o Estado não foi capaz de dar a resposta que, efetivamente, nós fomos evoluindo como setor. Foram as instituições que se organizaram e o Estado finalmente reconheceu que a sociedade civil organizada nas instituições de solidariedade social, era o parceiro ideal para que o complementasse nas suas funções. Fomos escrevendo aquilo que se chamou o “pacto para a cooperação”, e obviamente fomos assumindo o papel daquilo que o Estado chama “parceiro”. Ao longo do tempo, esta “parceria” com o estado levou a que este assumisse o compromisso de cooperação para fazer face aos custos das instituições, com uma percentagem que nunca deveria ser inferior aos 50% dos custos. Isto abre-nos aqui uma linha, um link, para aquilo que se chama “sustentabilidade”, para a sustentabilidade das IPSS. As comparticipações da segurança social em 2016, representavam cerca de 38% dos custos, ou seja, estávamos longe dos 50% que em 1996 o Estado dizia que devia ser essa sua obrigação. Mas, repare que, por exemplo, em 1995 a direção geral da ação social dizia-nos que a comparticipação do Estado para os lares, hoje vulgarmente designados de ERPI, era, nessa altura, de 53% dos custos. Em 2018, passou para 36%, ou seja, decresceu. Na área da infância, por exemplo do ATL com almoço, passamos de 40% em 1995, para uma comparticipação 34% em 2018. O serviço de apoio domiciliário tinha uma comparticipação de 70%, em 1995 e em 2018 baixou para os 57%. Isto demonstra que uma das grandes preocupações é a sustentabilidade. E porquê? Porque se a comparticipação do Estado representa entre 38,75% e 40%, a comparticipação dos utentes representa cerca de 31%, os dois valores somados representam, no máximo, 71%. Se apoios de outras entidades na ordem dos 6% a 7% ficamos com os custos cobertos, no máximo, a 78%. Os recursos humanos representam um custo na ordem dos 70%. Logo, o problema fundamental das instituições neste momento, como se constata, chama-se “sustentabilidade”.
É evidente que nós hoje não conseguimos pagar aquilo que devia ser pago aos nossos colaboradores, as exigências são muitas e precisamos de perceber que temos um conjunto de despesas que são acrescidas: energia, combustíveis ou comunicações. Naturalmente, as exigências regulamentares são fundamentais e têm vantagens no que concerne à proteção dos direitos dos utentes e à transparência. Tudo isso é fundamental! Mas depois, há toda uma teia… que vem aumentar as nossas dificuldades desde os certificados do gás, das redes, das desinfestações, desde os projetos de engenharia, das arquiteturas, dos certificados de registo criminal (agora por tudo e por nada), dos registos de beneficiários efetivos, dos stocks, enfim… uma quantidade de coisas que vêm tornar a vida das instituições mais difícil. Portanto o problema da sustentabilidade é um problema crucial da vida das instituições. É obvio que tudo o que de tecnologia puder trazer para facilitar o dia a dia, é bem-vindo e vem ajudar a diluir tudo isto.
Hoje a tecnologia, quer nós queiramos quer não, está presente em todas as nossas ações. Tendo em conta que ainda existem muitos dirigentes por este país fora com alguma dificuldade em trabalhar com as novas tecnologias, não podemos negar que o seu uso de massificou. Estou certo de que daqui a 10 ou 15 anos os jovens entram nisto “a brincar”. No entanto, as pessoas que têm “cabelos brancos” e que ainda são a maioria dos dirigentes das instituições, têm eles próprios que se adaptar, pois é inegável que a tecnologia vem trazer mais valias à gestão das instituições. A forma como os dirigentes se posicionam face ao uso das ferramentas tecnológicas, é crucial e absolutamente necessário para o êxito das atuais funções da gestão.
Espaço Social: Como vê o futuro das instituições de solidariedade social? Que medidas considera essenciais para garantir a sustentabilidade e inovação no setor? Como espera que a União Distrital continue a evoluir e apoiar as suas instituições nos próximos anos?
José Carlos Batalha: Há uma medida que eu acho que é uma medida conceptual e que era importante que acontecesse: o Estado deve assumir verdadeiramente que nós somos um setor importante, eu diria crucial para a estabilidade da sociedade. Se o Estado perceber isto, independentemente dos preconceitos políticos, vai perceber que, apoiando as instituições na justa medida daquilo que elas fazem, do papel que desempenham, se o fizer de forma correta, se o fizer de forma justa – portanto, eu apelo aqui por uma justiça no olhar do Estado para o serviço que as instituições de solidariedade social prestam à sociedade - , temos o problema da sustentabilidade resolvido. Se o Estado olhar e tiver este nível de comparticipação, se o Estado perceber que apoiando devidamente as instituições, previnem outro tipo de gastos. Por exemplo, vamos olhar para uma necessidade concreta das comunidades: o serviço de apoio domiciliário. Quanto é que custa um utente, hoje, neste serviço? Quanto é que custa o cuidado utente idoso em ERPI? É o próprio Estado que diz qual é o custo médio do utente, quer numa resposta quer na outra. Se nós fortalecermos, numa ótica preventiva, o serviço de apoio domiciliário, estamos a evitar claramente a institucionalização. Se nós investirmos claramente numa reformulação dos centros de dia, que hoje são quase lares de retaguarda, pois as pessoas só não dormem lá, estamos a investir preventivamente, a prevenir a institucionalização das pessoas. Mas, estamos num beco sem saída, porque não há camas, não há vagas, não há lares e, por outro lado, estamos a abrir a porta àquilo que são os lares privados (Não temos nada contra isso, cada um faz o seu “negócio”), àqueles lares que prestam um mau serviço, àqueles lares que depois são notícia, são manchetes de abertura de telejornal, que nos envergonham a todos enquanto sociedade, onde as pessoas morrem, onde os maus tratos são evidentes ,“onde se acumulam idosos em cima de idosos”… Portanto, é o próprio Estado que não olha com a atenção devida, porque se olhasse e se nos aceitasse melhor como parceiros ao mesmo nível, se ouvisse as nossas preocupações e se não tivesse lógicas eleitoralistas, ou se a ditadura das estatísticas não funcionasse nisto, naturalmente o Estado perceberia que nós estamos aqui de boa fé, por direito próprio e estamos cá para colaborar, estamos aqui, não para exigir, mas para pedir que olhem para este setor e percebam que este setor, se for tratado como deve ser, ajuda a poupar muito dinheiro ao erário público. Se nós investirmos num serviço de apoio domiciliário que mantenha as pessoas no seu espaço de afeto, nas suas casas, estamos a desinvestir na institucionalização, estamos a gastar menos dinheiro, porque hoje um lar custa muito mais dinheiro do que custa o serviço de apoio domiciliário.
O papel da União é amplificar a voz da outra organização de chapéu que é a CNIS, portanto o papel da União é exatamente esse, é fazer a nível distrital, acrescentar valor à CNIS porque as realidades acabam por ser sempre as mesmas, mas com tonalidades diferentes. As realidades de Lisboa e do próprio distrito de Lisboa são heterogéneas. Mas, as do distrito de Lisboa são diferentes das do distrito da Guarda, de Portalegre ou do Porto e, portanto, nós precisamos, no fim de contas, de falar todas a uma só voz. E a voz que representa o centro social solidário é a organização que representa o maior número de instituições do setor social solidário, que é a CNIS. É aumentando a voz da CNIS que encontramos a melhor maneira de articular e de interligar com o Governo. Isso é fundamental e é esta, para mim, a melhor maneira da União desempenhar o seu papel junto das suas associadas de base; levar para a CNIS aquilo que são as preocupações e os anseios das instituições de base para engrossar todo aquele manancial de preocupações a nível nacional que a CNIS tem de transferir e levar em sede da cooperação, da comissão nacional de cooperação junto do Estado.
Espaço Social: Que mensagem gostaria de deixar às instituições do setor social?
José Carlos Batalha: O que eu diria é que nós, instituições, sempre tivemos uma característica: estar na linha da frente em qualquer dos momentos históricos. Tivemos, há muito pouco tempo, um momento crucial, um momento difícil naquele quadro de pandemia que vivemos. Mais uma vez, as instituições estiveram na linha da frente, foram elas que deram a cara. Quando todo um país parou, quando todo um mundo parou e quando muitas organizações começaram a despedir, nós fomos em contraciclo: aumentamos de dimensão, admitimos pessoas, estivemos ali na linha da frente e, olhando para o nosso percurso histórico e falando até nas misericórdias que são milenares, nós sempre fomos mostrando à sociedade que estivemos lá, porque resultamos, imanamos da própria sociedade. Existimos para dar resposta concreta a necessidades concretas também das comunidades. Portanto, estamos aí. O nosso foco são as pessoas, a pessoa concreta, do nascimento à morte. Portanto, este é o nosso selo de garantia, é o selo de garantia das instituições. A mensagem é muito simples: que saibamos respeitar este selo de garantia, que saibamos honrar, não só a história que temos, mas também a defesa intransigente da pessoa humana, porque, obviamente, é um valor que não é negociável. É, no fim de contas, a nossa bandeira e é, por isso, que existimos e seguramente continuaremos a existir. A história também nos ensina exatamente isso: quando olhamos para o principal valor que é o ser humano, a sociedade tem garantia de futuro.
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